domingo, 5 de agosto de 2012

Web Novela - A Melancolia de Raymond - 16

Penúltimo ato de A Melancolia de Raymond, não deixem de comentar! Espero que estejam gostando do desenrolar da história.
Agora, sem mais demoras, vamos ao que interessa:


XVI

Aplausos fraternos, maternos, subalternos e eternos, emudecidos e estrondosos, pancadas manhosas de carícias estonteantes. Aplausos.
Eu alucinava.
O mundo girava ao meu redor, mal deixando-me notar se estava em pé ou caído em desajeito, sentado na amargura ou quedado por lamúrias sem fim. O mundo girava, e eu via olhos, via lábios, via sorrisos destrutivos e enganosos, e os sorrisos eram meus, eram deles, eram de ambos.
Caraway.
Caraway estava ali, em algum lugar, eu sabia. Ele estava lá, escondido, mais revelado do que cores no fundo escuro, submerso na falta d’água, enterrado, tão à mostra quanto estava eu. Eu o busquei com os olhos turvos, esticando os braços e caçando-o de maneira mortífera, entrelaçando os dedos que tanto formigavam  na espera de tocar o seu corpo, sua imundice, e então poderia me vingar por tudo, por mim e por todos, agora pelo nada que me restara. Procurei, cacei-o em desespero, mas ele estava distante, mesmo que próximo, distante de minha fúria, perto de minha loucura.
Ele gargalhava.
Eu olhei ao redor, via rostos. Eram tantas as faces, tantos os olhos sobre mim, tantos os pavores que eu me descontrolava, me sentia livre ao ser observado, sentia vontade de gritar. Não a guardei para mim, gritei. Gritei e ouvi estalos, o crepitar de almas ao meu redor, os rostos se partiram e eu não entendia.
Era Caraway. Era ele ali, aqui, cá e lá, em todo lugar. Eram muitos de um só homem, muitos rostos e temores, muitos risos e louvores, muita sede de sangue, vontade de matar, angústia, fúria, ódio, ira, malevolência. Era tudo num só lugar, nada em lugar nenhum, mas era ele, e por ser ele eu não era eu, eu era mais.
Eu era o ódio, a vingança, a vontade de provar que tudo o que perdi me fez ganhar muito mais.
Eu gritei, e o mundo se partiu ao meu redor, a mágica em frenesi, o estrondo misturado às gargalhadas. Gritei, e os gritos se encolheram até o silêncio, e mesmo o silêncio era colossal, estilhaçando a existência que me circundava.
Tudo mudava e voltava, girava e estacava, eu ainda alucinando. Via formas irregulares, geometria desconexa, sombras e cores, vultos e flores, criaturas adocicadas e pesadelos de pontas mórbidas, tudo ali, ao mesmo tempo, em tempo algum. Tudo era errado no acerto, tudo era irreal e surreal, realidade conturbada e proveitosa.
Gritei uma última vez, e tudo se foi, deixou de existir, se é que antes mesmo existia.
Caraway estava lá, mas eu estava sozinho.
Ao meu redor, espelhos quebrados, trincados, em ruínas.
A casa dos espelhos me mostrava uma tortura sem igual, um castigo errôneo e imperfeito, chagas que eu jamais seria capaz de suportar sem que a insanidade me consumisse.
A casa dos espelhos me mostrava Caraway, revelava sua imagem para mim como um tapa no rosto, como um baque de verdade inconsequente.
Caraway estava lá, mas eu estava sozinho, porque Caraway inexistia.
Só eu existia ali.
E eu era Caraway.

2 comentários:

  1. Simplesmente demais! Pena que já ta acabando, to louco pra saber o desenrolar dessa historia e o final que o nosso anti-heroi vai tomar.

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  2. Opa, fico feliz que esteja gostando, e o final já está aí, não deixe de conferir!
    Valeu pelo apoio e pela leitura, fique na espreita que sempre surgem novos projetos pelo blog!
    Sucesso!

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