quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 18 [Web Novela]

18

MAURO VIU OS POLICIAIS CHEGAREM. Eram muitos soldados, todos vestindo o mesmo uniforme e o mesmo semblante. No chão, mutilado pelo ódio de um homem que representava o povo, o assassino das meninas sangrava, mas ninguém sentia peno. Os direitos humanos não funcionavam. Ele era um criminoso, dos piores. Suas atitudes eram hediondas, seus crimes eram absurdos. Ele tinha que pagar, e o preço era caro demais.
—Se afaste —mandou um dos policiais, e Felipe obedeceu, mas não sem antes debochar com seu maior sorriso da incapacidade de Mauro. O policial se voltou para Mauro, que ainda estava ali, jogado ao solo. —Você tem o direito de permanecer calado, e qualquer coisa que disser poderá ser utilizada contra você no tribunal. Entendeu?
Tinha entendido. A justiça não o entenderia, por sua vez. Ninguém acreditaria em suas palavras. Sentiu falta de Luciana. Ela era cega para o mundo. Gostava dele, de ouvi-lo, de acreditar em suas palavras. Apoiava-a. Ali, ninguém o apoiava. Sua vida estava condenada, seu futuro era um fiasco. Mauro não tinha escolhas.
Dobrou os joelhos e começou a se levantar.
—É melhor que não se levante, ou vamos disparar!
Felipe o fitava, ainda sorrindo.
—Esse homem é louco —dizia ele, perverso. —Não deixem que ele se levante. Olhem o que fez àquela garotinha!
Mauro agiu no instinto. Por um momento, era animal, não homem. Louco e faminto como um leão, forte e raivoso como um urso. Jogou-se, a faca em mãos, derrubou Felipe com um golpe certeiro no peito, uma perfuração que o livrou do coração e da capacidade de amar.
Mauro não gritou, não se alterou, mas a faca rugiu dezenas de vezes antes que os policiais tivessem coragem de atirar. Um deles iniciou a execução, abismado por se deslumbrar com aquela visão animalesca que via. O tiro acertou a perna de Mauro. Outro disparo feriu seu braço, um terceiro atingiu seu torso. Vieram outros cinco, então mais dez. O corpo perfurado continuava a esfaquear, Felipe agonizava, espumando. Já estava morto, mas Mauro continuava. Morreria em breve, também.
Sua vida precisava valer a pena.
Tiros e mais tiros, e demorou para que a faca quedasse ao solo, tilintando como um sino que alerta os religiosos o fim de uma cerimônia. Felipe não se mostrava completo, nada além de uma poça de sangue, de um resto de carne disforme. Mauro estava perfurado em lugares distintos, sangrava mais do que um ser humano parece ser capaz de sangrar.
Ficou em pé.
—Por que você não morre?! —gritou um dos policiais. —Depois de tudo, depois de todas as garotas, por que você simplesmente não morre?!
Mauro abriu a boca, queria responder. O sangue vazou por entre seus lábios, escorreu em suas roupas. A boca se fechou, fraca. Curvou-se: era um sorriso. Sorriu, satisfeito. Morreria como culpado, mas era inocente. Morreria como derrotado, mas era um vencedor.
Dobrou-se nos joelhos e, por fim, tombou, e seus olhos se fecharam na queda, de uma vez por todas.

OS TELEJORNAIS NOTICIARIAM A MORTE DO MANÍACO DO CIRCO. As crianças estavam a salvo, os pais se tranquilizariam. Outros homens de sanidade duvidosa veriam naquele caso um exemplo, mas é isso o que os homens sempre fazem: imitam. Idolatram, repetem as loucuras, refazem os mesmos erros. Sempre começa da mesma forma.
Sempre termina igual.
Rubens assistira ao enterro de três de seus funcionários em pouco tempo, e aquilo não seria agradável a nenhuma pessoa. Estava ali, encostado a uma árvore, escapando da chuva. Sempre chove nos enterros. Para Rubens, chovia do céu, não dos olhos. Ele não tinha motivo para chorar. Três pessoas fariam falta por alguns dias, mas eram somente isso: três pessoas.
Ninguém é insubstituível.
Outros funcionários viriam. Outras mulheres interessadas em outros homens, outros candidatos a vagas ambiciosas, outros loucos com dificuldades para se acostumar com a rotina diária do escritório. No fim, todos eles aprendem. Dão seu jeito. Antes deles, alguém fez, e os homens sempre refazem, sempre copiam. Serão sempre homens.
Encostado àquela árvore distante, Rubens ignorava as palavras proferidas em homenagem a Felipe. Um homem de respeito, de atitude, com ideias revolucionárias e uma cabeça bastante adiante de seu tempo, blábláblá. O outro túmulo, de Mauro, estava silencioso. Ninguém falava sobre suas atitudes e seu respeito. Ninguém o venerava. Ninguém sequer se lembrava dele como Mauro. Era um assassino, e só.
—Boa tarde —alguém falou, e Rubens demorou a perceber que a voz se dirigia a ele.
—Ah, oi, me desculpa —falou, enfim, alisando seus bigodes. —Posso ajudar?
—Acho que é meio tarde pra ajudar —disse a mulher. —Você os conhecia?
—Sim. Eram meus funcionários. Difícil de acreditar, não é?
—É sim. Preciso superar essa perda. Queria uma companhia, um ombro amigo para me ajudar. Depois dessa história toda, é muito fácil enlouquecer.
—Nem me fale. Aceita me acompanhar para um café?
—Não sei. Café não deve ajudar muito. Ele tira o sono, e eu preciso dormir. Mas acho que um vinho seria uma boa ideia. Sua casa fica longe daqui?
Rubens sorriu. Por dentro, instintos masculinos apodrecidos despertavam.
—Na verdade, não —respondeu ele. —Considere isso um convite. Talvez eu também precise de um ombro amigo, ou de outras coisas, se é que me entende.
A mulher sorriu.
—Pode ser de grande ajuda.
—É sim. Só não me lembro de seu nome, mocinha, ainda que seu rosto me pareça bastante familiar.
—Familiar? Não acho que nos conhecemos, mas essa é uma boa hora pra consertar isso. Você parece meio abalado, então eu posso te ajudar a esquecer as coisas. Esquecer é sempre bom. Sempre funciona. E meu nome é um tanto que grande demais, então vou simplificar: pode me chamar de Daiana.
—Daiana é um nome bonito. Eu gosto. Não parece tão grande quanto você disse.
—Quem sabe?
Rubens olhou ao redor. O cemitério parecia frio e grotesco, desnecessário.
—Não gosto desse lugar. O que acha de sairmos daqui?
—Era a ideia, não?
Ele deu de ombros.
—Pra falar a verdade, eu nem me lembro do que estava fazendo aqui. Vamos?
Estendendo as mãos para o vento, Rubens caminhou, conversando e rindo com ninguém, enquanto se distanciava do cemitério e da sanidade.

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 17 [Web Novela]

17

HAVIA UM BAILE DE MEMÓRIAS, E ELAS DANÇAVAM UMA DANÇA PERVERSA. Mauro tentava organizar as peças, juntar o quebra-cabeça na intenção de enxergar mais do que aquele borrão de quem procura seu reflexo na água urinada de uma privada de boate.
Se viu deitado em sua cama, recebia uma ligação. Felipe o chamava. Era um convite para um lugar desconhecido, não um bar, não um restaurante. Um lugar abandonado. A promessa era a verdade, a realidade, o seu rosto real no espelho. Um reflexo palpável, o primeiro deles.
Viu-se caminhar pelas ruas, receber o vento frio no corpo, no rosto, nas roupas. Sentia o gelo da incerteza, o medo das descobertas, das revelações. Caminhava, passos rápidos, outros vagarosos, oscilantes, não sabia se queria ou deixava de querer. Seguia, sempre em frente. Não havia retorno, não havia mais volta. Se houvesse algo, estava à frente, na próxima esquina, na próxima porta. Se houvesse. Talvez não houvesse nada. Talvez ele não fosse nada nem ninguém. Talvez não houvesse talvez.
Piscou, viu-se nas ruas escuras, guiado pela brisa perfumada. Seguia um cheiro conhecido, uma mulher, uma desconhecida de perfume similar, o mesmo perfume de Luciana. O mesmo perfume de Daiana, inclusive. Ele nunca percebeu que ela o amava. Nunca percebeu que, mesmo antes, ela fora apaixonada por ele.
Quando Daiana foi embora, Luciana apareceu. Ofereceu oportunidades, uma mão amiga, um ombro pra chorar. Queria sua proximidade, sua presença, seu calor. Queria Mauro para si, queria uma nova vida, uma vida de felicidades. Queria tentar. O perfume era o mesmo, copiado descaradamente, imitado na tentativa de chamar atenção. Mauro amava aquele perfume. Não em Luciana, não naquela desconhecida. Amava-o em Daiana, mas ela não estava mais lá. Não estava mais viva. Não mais pertencia a ele, se um dia pertenceu.
Seguia a estranha, um estranho o seguia. Ele não o viu, não o notou. A mulher virou numa ruela qualquer, o escuro a engoliu, Mauro oscilou. Alguém o atingiu, o arrastou. Ao seu lado, algo miava. Sua cabeça doía. Levantou-se, olhou ao redor, não havia ninguém. Nas mãos, um saco de lixo, o corpo de três gatos começava a apodrecer em seu interior.
Voltava para casa, olhos atrás de si, nas sombras. Ele sabia que era seguido, mas não podia evitar. Estava louco. Tentou se esconder, se proteger, alguém o acompanhou. Fechado em sua casa, ouviu alguém bater. Resistiu, evitou escutar, abriu quando suas forças não eram suficientes para evitar a curiosidade. Queria que fosse Daiana, Luciana, uma prostituta qualquer, barata. Queria sexo pra esquecer, pra seguir em frente. Abriu a porta, encontrou olhos de desaprovação.
Viu Felipe, em frente à sua casa, naquela madrugada. Ele disse algo, Mauro não entendeu. Queria ajuda, um abraço. Recebeu um golpe. Nas mãos do amigo, uma faca. Mauro estava louco, descontrolado. Aquele era seu amigo de tempos. O que ele estava fazendo? O que ele faria em resposta? A faca cortou o ar, sibilou, traiçoeira. Mauro caiu, derrubou o agressor, tomou dele a arma e o feriu, na altura do ombro, um corte superficial. O agressor fugiu, ameaçando, urrando no caos. Mauro não entendia, mas esquecia.
Viu-se ainda mais longe, antes de tudo, antes de nada. Viu-se consertando um veículo, mas o reparo era a última de suas intenções. Queria destruí-lo. Aquele motor levaria para longe de si a mulher que amava. Levaria para outra cidade sua única esperança de felicidade no mundo todo. Tiraria Daiana de seus braços, do nome em sua aliança de casamento, da certidão de nascimento de Elizabeth. Acabaria com sua vida. Antes disso, acabou com aquele carro, mas Daiana nunca soube dessa sabotagem. Ela o dirigiu, acelerou, tentou fugir. A morte era iminente.
Numa das discussões, a loucura tomou conta de Mauro. Ele gritou, ofendeu. O novo homem de Daiana tomou a frente, postou-se em sua defesa, levantou a voz e a postura. Ele não era forte, não era valente, mas a amava. Ele não era conhecido, mas seria. Agora, nas lembranças, era familiar, e Mauro se perguntava como pudera esquecer de tudo aquilo. Felipe estava lá, ao lado de Daiana. Felipe era o outro homem, o amante apaixonado, aquele que a tirara do coração de Mauro.
Viu-se admirar o estrago da morte de Daiana. Ela não seria mais sua, e isso doía. Também não seria mais dele, de Felipe, daquele maldito outro. Não seria de ninguém. A culpa remoía, no entanto. Queimava por dentro, doía, ardia como brasa nos pés. Felipe jurou vingança. A polícia nunca comprovou a culpa de Mauro. Fora um acidente. Sabotagem, homicídio doloso, nada disso sequer foi cogitado. Um acidente. Mas Felipe sabia a verdade, e sabia que faria algo para mudar aquilo.
Mauro se viu retornar do trabalho, cumprimentar Felipe no caminho. Agora, seu amigo. Não se lembrava do passado, não se lembrava de sua própria história. A loucura o corrompia, destruía seus neurônios, seus pensamentos. Cumprimentou o companheiro de trabalho que, naquele dia, não trabalhou. Era estranho que ele estivesse ali, próximo de sua casa. Morava em outro lado, em outro bairro. Mas estava ali, por perto, e ele o cumprimentou, e isso era o suficiente. Depois, sangue. Sua filha ao chão, estripada, marcada por uma faca impiedosa. A primeira das vítimas.
Enlouquecer fazia com que Mauro se culpasse por algo que não fizera. Felipe se aproveitou disso. Tirou dele a filha, tirou a sanidade, tiraria ainda mais. Tirou a esperança, o amor, a vontade. Tirou depois a própria crença, e o homem de coragem que um dia fora Mauro não mais tinha certeza sobre sua inocência. Ele podia ser um assassino, podia ser coisa pior. Matou crianças, ou assim pensava. Enquanto isso, Felipe sorria, cruel. Matava, fazia sangrar.
Aquela era sua vingança.
Tudo agora se encaixava, tudo fazia sentido.
Mauro se lembrou de tudo, choroso. Felipe estava sobre seu corpo, os punhos desciam como trovões, vingativos e pesados. Alguns socos entortavam seus dentes e seu maxilar, outros abriam seu supercílio e cortavam seus lábios. A dor era passageira, distante. A dor maior estava ali, no peito de um homem que perdeu tudo para a loucura.
A sua loucura e a loucura do outro.
—Sabe o que acontece agora, Mauro? —perguntou Felipe. —Você perde. No fim, você perde. Um dia, tirou tudo o que eu queria de mim. Daiana. Você a tirou de mim, a tirou do mundo. Agora, vou tirar tudo de você.
—Eu já não tenho mais nada pra você tirar —Mauro agonizou, sem forças. O sangue inundava sua boca. Sentia o gosto metálico na língua, nauseado.
—Ah, tem sim. Tem uma coisa que eu sempre sonhei em tirar de você.
Mauro se perguntou o que era, mas sua voz não foi capaz de formular a indagação.
—Eu vou te contar o que é, cara. —Felipe se abaixou, o rosto colado ao rosto de Mauro, os lábios unidos ao ouvido do companheiro. —A liberdade —sussurrou ele, e sua palavra soprada feriu o peito do amigo enganado.
Felipe se levantou, deixou a faca quedar ao solo, a lâmina tilintou. Então, com todas as suas forças, gritou:
—Eu encontrei! —e havia um sorriso em seu rosto a cada palavra. —Eu encontrei o assassino! Eu encontrei esse maldito assassino!

sábado, 27 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 16 [Web Novela]

16

FORA DAQUELE LUGAR, SIRENES ECOAVAM COMO UM EXÉRCITO UIVANTE. Dentro, Mauro silenciava. Estava escuro e frio. Ele estava sozinho. Suas mãos estavam cobertas de sangue.
No chão, uma faca.
—Mas que —
Calou-se. Sua voz ecoava, mesmo que baixa. O lugar parecia um depósito, repleto de tralhas e de caixotes. Frestas miúdas no telhado permitiam a entrada da luz da lua, singela e calma, diferente dos batimentos cardíacos de Mauro, que pareciam o estopim bélico de uma guerra mundial.
Ele ouviu alguma coisa que pensou se tratar de um passo, um único movimento à espreita, possivelmente um observador. Baixou a silhueta, escorou-se nas madeiras que guiavam-no por uma trilha larga de entulhos, caminhou tão devagar quanto os ossos permitiam sem ranger. Alguma coisa gotejava, próxima. Mirou o som do líquido, deixando para trás a faca, a incerteza e o pavor.
Talvez não o pavor. Este sempre o seguiria.
Passos adiante, ouviu-se um crepitar. Naquele escuro, chamas miúdas e tímidas iluminavam as paredes, acesas pela força do homem, não da natureza. Madeira dos caixotes queimava com precisão, uma fogueira trabalhada na intenção de irradiar, esquentar ou confundir. Mauro se aproximou, cauteloso, e a luz lhe permitiu visualizar sombras macabras, demônios e monstros de seu subconsciente, ganchos de maquinaria de carga e empilhadeiras, suportes e plataformas, produtos e mais produtos largados às traças.
O mesmo fogo que mostrou a Mauro tantas sombras soturnas, mostrou a ele a razão do gotejar.
Dependurada no gancho de uma das máquinas, um corpo. Uma menina, outra vítima. Não mais vivia, infelizmente, sequer tentava respirar após a dor mortífera que lhe aturdira. O metal enferrujado trespassava os seios não desenvolvidos da garota, deixando-a ali, inerte a metros de altura do chão, despejando sangue fresco dos lábios e do ferimento que lhe tirara a vida. O sangue escorria sem pressa, rumando contra o solo, empoçando o escarlate abaixo dos pés de uma juventude desperdiçada pelo ócio da insanidade.
Mauro viu, para seu desespero pessoal, cortes e perfurações nas pernas e nos braços da menina. Marcas de lâmina, de faca.
Lembrou-se da faca que deixara para trás.
—Não pode ser... —murmurou ele, os olhos foscos, tão mortos quanto aquela garota.
As sirenes continuavam a vibrar no exterior do depósito. Algo estrondou, um dos portões. Tentavam arrombá-lo, invadir o local, encontrar o assassino em série que aterrorizava as meninas e as famílias da região.
Buscavam por Mauro.
Pensou em correr, mas de que adiantaria? Podia evitar a culpa dos demais, mas não a sua. Podia fingir-se de despercebido para a milícia, mas não para si mesmo. Era um assassino. Era ele o responsável pelas mortes, em sua esquizofrenia bizarra e descontrolada. Era ele o assassino de sua própria filha.
Ouviu passos.
Ao longe, mais estrondos contra os portões de chapa. Alguém disparou, possivelmente alvejando correntes e cadeados. Estavam chegando mais perto.
—Eu vou me entregar.
Mauro olhou ao redor. Sentia-se observado, perseguido. Sentia-se louco.
—Eu preciso me entregar.
Então tudo passaria. Mas não se sentia culpado. Sentia-se mal pelas mortes, fechava os olhos para tentar se recordar, para poder se incriminar por tantos crimes, mas falhava. Nada em sua mente permitia que ele visualizasse assassinatos e banhos de sangue. Nada.
Passos.
As sirenes continuavam, faziam música. Os passos eram um toque saboroso, tamborilando em meio a melodia dos uivos mecânicos das viaturas. Mauro tentou contar, de acordo com o som, quantos carros de polícia estariam ali, à sua procura, mas era incapaz de deduzir. Três, quatro? Vinte?
Era um assassino em série, um criminoso de elite. Sua pena não caberia em anos. Prisão perpétua não parecia uma opção razoavelmente aceitável. Era a morte. O fim, a solução. Morte a ele, morte a seu passado, a seus erros.
Talvez morrer não fosse tão ruim.
Passos.
Algo arrastava no chão. As sirenes ululavam. Os passos aumentavam e diminuíam. O sangue da garota empoçava o local. O vento se chocava contra as paredes metálicas. Os caixotes rangiam.
Mauro choramingava, sem perceber.
Tudo aquilo era música.
Os passos pararam. Havia alguém ali, em algum lugar. Mauro observou, tentou encontrar quem o observava, inexistia. Arriscou caminhar, fugir do caçador, entregar-se á prisão ou á morte, tropeçou em seu fracasso, em sua loucura, cedeu de joelhos, fraquejando. Quedou, o queixo tocou o solo, os dentes cerraram um aperto apreensivo. A pele sentia o frio, o coração congelava. A garganta doía ao engolir a própria saliva, como se o líquido pudesse cortar, ferir, mas o que feria era o medo.
—Mauro.
A voz o chamou, no escuro. Era familiar. Masculina, presente. Atrás dela, sirenes e pancadas nos portões, cada vez mais perto, cada vez mais assustadoras.
—Quem está aí?
A silhueta estava ali, no alcance da visão. Familiar, irreconhecível no breu do depósito. Passos, sirenes, goteiras de sangue, ranger das caixas; tudo misturava-se ao urro estridente do silencioso pânico de Mauro.
—Quem está aí? —repetiu ele.
Frestas no telhado deixaram que a luz entrasse, e ela entrou, iluminou e soprou um feixe de verdade naquela paisagem obscura. A loucura de Mauro se confundiu, criou imagens e formas satânicas atrás daquela presença. Forçou os olhos, se concentrou, não acreditou no que via.
Felipe.
—Felipe?
Sem resposta.
A silhueta do amigo se moveu, vagarosa.
—O que você tá fazendo aqui? —perguntou Mauro, sem entender.
—Eu segui você —contou ele. —Se acalme. Está tudo bem, ok? Eu te segui. Estava preocupado.
—Você... viu, não viu?
Felipe lançou-se à luz, aparecendo por completo no luar. Suas roupas estavam manchadas de sangue. Ele ofegava.
—Eu vi —respondeu. —É, eu vi tudo.
—Então me conte. Por favor, eu preciso saber, preciso ter certeza. Me conte o que viu, Felipe.
O amigo respirou, incerto do que fazer.
—Não.
—Me conte. Eu matei essa garota, não é? Eu matei todas elas. Eu sou um assassino. Eu sou um assassino!
A última frase de Mauro estrondou como um trovão naquele depósito. Insanidade sonora se dispersou por todas as paredes, debateu-se no teto e no solo, voltou de encontro à confusão dos olhares.
—Mauro, se acalme —com toda tranquilidade e paciência do mundo.
—Me acalmar? Me acalmar?! Como é que eu posso ficar calmo?!
Os gritos ecoaram, mais altos que as sirenes. Os estrondos no metal continuavam. Mauro podia ouvir as vozes dos policiais. Eram muitas, amedrontadas, raivosas. Vozes de homens, de heróis. De pais.
Pais que odiavam um assassino de garotas inocentes.
—Eles estão atrás de mim —continuou ele. —Eles vieram me pegar. Vieram pegar o assassino, o maldito assassino que ferrou a cidade toda!
—Vou te ajudar, cara, é sério.
—Me ajudar? —Mauro riu, debochado. —Eu não quero ajuda! Não quero fugir! Quero ficar aqui, esperando por eles. Quero gritar e esperar que me fuzilem com aquelas pistolas de merda. Quanto vale a minha vida, Felipe? Quanto vale a vida de um maluco que matou várias crianças?!
Felipe suspirou, preocupado. Arriscou um ou dois passos, parou mais uma vez.
—O importante é que você se acalme, agora. Me deixa te ajudar. Venha cá, Maurão, eu prometo que vai ficar tudo bem.
—Não tem nada pra ficar bem, merda! A minha vida já tá toda ferrada! Eu matei a minha esposa! Matei a minha filha, e sei lá quantas outras meninas depois. Como espera que —
—MAURO, SE ACALMA!
O grito assustou. Reinou o silêncio, destruído por sirenes, passos velozes e estrondos metálicos. Outro disparo, um cadeado cedeu. A passagem estava aberta, disponível. O fim estava próximo.
—Fica parado —disse Felipe. —Eu só quero te ajudar!
Um passo, mais outro. A lua o tocou mais uma vez. Mauro viu que ele tinha sangue nos braços e no rosto. O ferimento no ombro estava aberto, desprotegido, lembrava um corte. Em sua mão, uma faca.
—Espera aí —Mauro tentou, mas Felipe não esperou por seus pensamentos. Num movimento ríspido, veloz demais para que o desespero de Mauro previsse, Felipe saltou sobre seu corpo, derrubou-o ao chão com seu peso, imobilizou suas pernas e seus braços. —O que tá fazendo?!
Pavor.
Nos olhos de Felipe, loucura.
Loucura igual à de Mauro, talvez maior.
Uma loucura falsa, enganosa, como veneno de víbora, como espinhos nas mais belas rosas.
—Eu adoro a sua memória, cara —sorriu Felipe, e seus dentes pareceram amarelados, pontiagudos e malignos na mente conturbada de Mauro. —Ela sempre me ajudou.
Mas, naquele pavor de momento, Mauro se lembrou. Lembrou do começo, do meio, do fim.
Lembrou de tudo.

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 15 [Web Novela]

15

HAVIA UMA CORDA NAS MÃOS DE MAURO, UMA CORDA QUE RESOLVERIA SEUS PROBLEMAS. Sentado em sua casa, em sua cama, ele chorava. A cabeça rodopiava, intercalando cenas do corpo estripado de sua filha, do acidente sabotado de sua ex-mulher, do suicídio inexplicável de Luciana.
Pensava na tortura a que sua filha fora submetida antes de desfalecer. Pensava na inocência de Daiana ao acelerar o carro que ele modificara previamente. Pensava na criança carregada pela mulher que se debatia nos fios de cobre de um poste de iluminação.
—Eu vou me entregar à polícia.
Falou para si mesmo. Estava sozinho. Sempre esteve sozinho. Sempre.
—Vou confessar.
Confessaria um crime de anos atrás, e também todos esses outros. Não sabia se era o assassino das garotas, mas sabia que não se conhecia mais. Podia matar, podia morrer. Não se importava.
Pegou o telefone.
—Eu preciso me entregar.
O espelho refletia suas olheiras. Estava mais magro. Sua boca estava rachada pelo stress. Seus olhos estavam vermelhos pelo sono, mas não tinha vontade de dormir.
Discou o primeiro dos números.
Lembrava-se da faca na bolsa de Luciana.
—E se ela fosse a assassina?
Era uma hipótese. Como saber agora? Ela estava morta. Como Daiana. Como ele próprio.
Discou mais um número.
As imagens se confundiam. O corpo de Elizabeth, o acidente de Daiana, o suicídio de Luciana, o ferimento de Felipe, as atrocidades de Rubens. Três gatos mortos, sangrando. Uma rua desconhecida. Uma porta barrada por sofás e armários. Uma faca coberta de sangue. Um estranho no espelho. O beijo de uma fantasma. Tudo se misturava, sonho e realidade, loucura e medo.
Discou outro número.
—Você podia evitar tudo isso.
Daiana.
—E você podia voltar para seu lugar debaixo da terra.
Ela sorriu.
—Eu nunca saí de lá. Não sou um fantasma. Nunca estive aqui. Você me trouxe. Você me criou. Você criou tudo isso.
—Cale a boca.
—Você podia evitar tudo isso mesmo.
—VOCÊ NÃO EXISTE!
Gritou, ouviu seu grito. Estava sozinho. O espelho ria de sua loucura. Arremessou seu sapato no reflexo, estilhaçando-o.
—Respire e pense, Mauro —Daiana dizia. —Pare de mentir para si mesmo. Pare de —
—Para de me incomodar —chorou aquele homem insano, abraçando os joelhos, deixando que o telefone caísse no chão, mudo. —Para de me seguir, de me enlouquecer. Morra, Daiana. Morra de uma vez por todas.
—Eu já estou morta, queridinho. Você me matou.
—NÃO!
—Sim, e você sabe bem disso.
—Eu não... eu não me acostumei com a sua ausência. Eu nunca aceitei, nunca... nunca entenderia que você tinha me deixado. Eu precisava de você.
—Agora eu estou aqui —disse ela, os braços abertos. —Morta, mas aqui. Sua. Quer transar? Ainda posso te dar prazer. Posso ser sua para sempre, agora. Para a eternidade. Sempre bonita, com os peitos firmes e as coxas sem estrias. Quer me comer, Mauro? Elizabeth está morta, mas você pode tentar de novo! Ah, é, eu me esqueci, você já tentou. Pediu por mim, pra que eu voltasse, e transou com a primeira vagabunda que teve a oportunidade. Colocou sua semente naquela vadia, não é? E agora ela tá morta, e você, sozinho. Feliz?
Mauro gritou, jogou tudo o que tinha por perto na direção de Daiana, mas nada a atingiu. Ela não estava ali. Ela não existia, e ele sabia disso.
—Some... Some, por favor. —Era uma súplica. —Desaparece pra nunca mais voltar, pelo amor de deus...
—Eu só preciso ouvir uma coisa, Mauro.
Ele engoliu em seco.
—Eu sinto muito. Me desculpa pelo que fiz, mas eu não aguentei. Sem você, eu... Eu não era nada.
—E ainda não é nada. Mas pode ser, se quiser. Não se engane. O mundo é cruel. Você errou. Fez coisas que não devia. Coisas aconteceram, meu amor. Todas elas estão aí, na sua cabeça. Você precisa se lembrar.
—Do que você tá falando?
Daiana suspirou.
—Volte para sua mente. Tá tudo aí dentro. Se você não se lembrar, vai mentir. O mundo vai mentir. Você vai se enganar, vai se deixar levar pela maré.
—Me explica.
—Tarde demais —disse ela, sorrindo, e suas pernas desapareceram. —Agora eu vou embora, e você vai ficar sozinho. Você precisa lembrar, Mauro. Por Elizabeth.
Aquelas foram as últimas palavras de Daiana antes de desaparecer, e Mauro teve certeza de que ela nunca mais voltaria.
—Por Elizabeth... —Mauro repetiu, refletindo. Buscava em sua mente, mas nada encontrava. —Por Elizabeth... —Aquilo só podia significar uma coisa: era ele. O assassino, o culpado. Era ele. Sua mente pregava peças, sua loucura o enganava. Daiana o alertou, mas ele não conseguia enxergar.
—Fui eu —disse para o que restara do espelho. —Fui eu, não é?
O espelho não respondeu.
O mundo ao redor de Mauro pareceu confuso. Ele ouvia gritos, ouvia murmúrios, ouvia súplicas de sobrevivência. Alguém pedia para não se ferir, outra voz implorava para manter-se em pé. Uma garota gritou. Sangue escorria das paredes, manchava o chão e o teto. As paredes ganharam olhos, fitaram-no com desaprovação, com náusea. Então ganharam bocas, e todas elas grunhiram, rangeram e gritaram, incriminando-o. Por último, ganharam braços, mãos, dedos, e tudo apontava para sua loucura, para seu veneno.
—Foi você —diziam as paredes. —Você é um assassino nojento. Você é um maldito assassino!
Mauro cobriu seus ouvidos, fechou os olhos, lacrou a boca e se debateu no colchão. Seu corpo doía, sua cabeça era como um vulcão tomado por magma. Queria gritar, queria saltar da janela, queria correr nas ruas até que um carro o atingisse. Queria ficar ali, se esquecer de tudo, fingir que o mundo era o paraíso e não o inferno. Queria sumir, parar na lua, morrer sozinho como sempre viveu. Queria algo que não sabia o quê era.
—Você é um assassino de merda!
As paredes repetiam, culpando-o, mostrando a ele a verdade que sua mente escondia.
—Sim, eu sou —admitiu.
O celular tocou. Era Rubens, provavelmente já ciente da morte de Luciana. Mauro recusou a ligação, desligou seu aparelho. Haviam outras chamas perdidas e mensagens, mas ele não fez questão de lê-las. Levantou-se, foi até o banheiro, jogou o celular na privada e urinou sobre ele. Imaginava o rosto de Rubens naquele aparelho, e isso o confortou, mas quando a descarga não foi capaz de levá-lo ele percebeu que teria de se acostumar com o rosto de seu antigo patrão dentro de seu vaso sanitário para sempre.
—Beba isso, filho de uma vaca —dizia.
Rubens ria, a boca coberta de espuma.
—Vai se ferrar.
Mauro fechou a tampa, não lavou as mãos. Abriu os armários da cozinha, virou todas as panelas no chão, quebrou um a um seus pratos e seus copos. Derrubou os talheres, os pires e as xícaras, queimou as toalhas e os panos de prato. A casa cheirava a incêndio, mas ele estava seguro. Era infeliz demais para morrer.
Deitou-se, exausto. Gritou, chorou sozinho, não estava satisfeito. Então riu, gargalhou, mas não havia uma piada para lhe fazer feliz. Chorou mais uma vez, socou as paredes, o ferimento em sua mão se abriu novamente. Provou do próprio sangue, sentiu o gosto do ferro. Tentou estancar os sangramento, desistiu quando parou para admirar aquele rastro escarlate em sua pele. Lhe fez bem vê-lo, sentir-se vivo, saber que era capaz de sangrar como os homens. Ele também fora um homem um dia, não é?
Agora, não mais.
Fechou os olhos, mas ainda via cenas confusas. Felipe, Rubens, Elizabeth, Daiana, Luciana, Júlia, outras garotas assassinadas. Uma faca cortava na noite, meninas gritavam, pais choravam o desespero da perda. Ele era um dos pais. Ela era uma das meninas chorosas. Ele sentira a dor da perda. Ela fora assassinada. Assim era o fim, o final da história que não tinha o direito de ter um final feliz. As imagens se confundiam. Parte era sonho, parte pesadelo. Tudo estava misturado, rodopiando e batendo contra os seus olhos. A verdade doía como estacas. A loucura não o protegia, muito pelo contrário. A morte parecia uma solução, mas ele estava cansado demais para morrer.
De olhos fechados, Mauro apagou, sem dormir, sem descansar. Apenas saiu dali, de sua vida, de seu corpo.
Quando voltou, arrependeu-se por viver.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 14 [Web Novela]

14

PODERIA SER UM FANTASMA OU UMA ALUCINAÇÃO. Não faria diferença. Daiana não estava mais ali. Daiana não mais vivia.
Ela estava morta, e a culpa era de Mauro.
—Por isso estranhei quando você me contou sobre ela —disse Felipe, guardando a foto na gaveta outra vez. —Não era possível que ela estivesse te seguindo. Daiana está morta, Mauro. Não importa se foi você ou não. Ela está morta, então não pode estar invadindo a sua casa.
—Ela não tinhas as chaves —choramingava ele. —Ela nem estava ali. Eu a beijei... eu senti aquele beijo, Felipe.
—Você não tá legal, cara.
—A minha cabeça tá falhando. Eu... Eu acordei sem saber onde estava, um dia desses. —Mauro falava como se fosse uma confissão de um adolescente feita a um padre repleto de dogmas religiosos. —Acordei nas ruas, com gatos mortos nas mãos.
—Que nojo!
—É sério, merda! Eu não me lembro de ter matado esses bichos! Não me lembro de andar até lá, não me lembro de nada.
—Como não se lembrava da morte de Daiana.
Mauro fez que sim, choroso.
—Eu estou ficando louco, não é? —perguntou ele.
Felipe deu de ombros.
—Todo mundo tem um pouco de louco —respondeu ele. —Faz parte da normalidade.
Em outros momentos, Mauro riria, mas não tinha graça quando o louco era ele.
—Eu encontrei uma faca —continuando sua confissão. —Ela tinha sangue. Não sei de onde ela veio, nem para onde ela foi. Mas ela tinha sangue, Felipe, tinha sangue naquela merda de faca! Eu não me lembro de nada!
—Fica calmo, Mauro, você —
—Como ficar calmo?! —gritou ele, desesperado. —Como é que dá pra ficar calmo quando tem gente morrendo e você não sabe se é você o responsável?! Como é que eu posso ficar calmo sem saber se eu não matei a minha própria filha?!
Felipe abriu a boca na tentativa de dizer algo, mas seu semblante transpareciam surpresa e temor, e ele se calou, baixando os olhos.
—Eu vou embora —Mauro falou, e Felipe não impediu. Assistiu enquanto seu amigo se levantava e se dirigia à porta.
—Mauro —disse ele.
—O que?
—Se cuida, seu merda.
A porta se fechou, e aquilo não era uma resposta.
Mauro ganhou as ruas, rodeado por ar puro e impuro, um ar que não lhe sustentava a respiração. Sentia o peito arder, a cabeça oscilar, impactada pela desgraça que circundava sua vida.
Ele não levantava os olhos. Não tinha coragem de encarar o mundo, muito menos um espelho. Passava a passos rápidos por todas as vitrines, acelerando como se alguém o perseguisse, mas era a verdade quem o seguia. Luciana estava grávida. Daiana estava morta. Ele era um assassino. Sua filha estava morta, e ele poderia muito bem ser o culpado também. Sua vida estava um caos, completamente desregulada, sem vínculo algum com a sanidade do cotidiano. Não tinha um emprego, um amor ou uma meta. Não tinha vontades, não tinha fome ou sede, não tinha mais nada.
Não tinha salvação.
Queria a solução em uma palavra, e essa palavra era suicídio.
Alguém gritou.
Foi um grito estridente, feminino e apavorado. Ecoou por toda a rua, de esquina a esquina, quase capaz de estilhaçar as vidraças das lojas. Uma mulher apontava para cima, uma multidão de curiosos correu para observar, mães e pais cobriam os olhos de crianças ingênuas demais para a verdade imunda do universo.
Mauro não levantou os olhos. Nada nesse mundo despertaria sua curiosidade, pois nada nesse mundo poderia mudar sua vida, seus dias e sua loucura. Alguém gritou, mas ele estava em silêncio, congelado num pavor que tardaria a passar, se passasse.
Os olhos se levantaram sem vontade. Seus passos estacaram, seu corpo não respondeu. A vida paralisou por um instante, e aquela visão dizimou seus pensamentos, e o caos absurdo que o circundava pareceu uma brincadeira de criança diante daquela visão.
Uma mulher jazia dependurada nos fios de eletricidade de um poste, no meio da rua. Seu corpo sacudia como o pêndulo de um relógio, tiquetaqueando para lá e para cá, sem marcar horas ou quaisquer outras medidas. Ela apenas se movia, ia e vinha, sem pressa, sem vida. Os olhos estavam saltados, as bochechas arroxeadas pela falta de ar, o pescoço quebrado pelo tranco insuportável do suicídio. Ainda que irreconhecível, Mauro a conhecia e a reconhecia. Viu ali a paz de espírito e o caos das ideias, num mesmo lugar, numa mesma cena, num mesmo nome que se perdia na morte iminente.
Luciana.

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 13 [Web Novela]

13

ÀS VEZES IMAGINAMOS A NOSSA VIDA NA BEIRA DE UM ABISMO. É a nossa chance de fazer algo para mudar tudo, para tirá-la dali, da beira do fim. É a nossa chance de evitar que toda a vida desabe de uma só vez, cedendo a todas as fraquezas.
Naquelas palavras de Luciana, Mauro viu sua vida mergulhar na escuridão.
—Como é que é?
—É isso mesmo que você ouviu —continuou Luciana. —A gente... aquela noite. Eu tô grávida. O exame não mente. Estou esperando um filho seu.
Mauro desligou o telefone.
Podia parecer frieza da parte dele, mas não era. Ele só não estava preparado para aquilo, não mesmo. Não conseguia cuidar de si mesmo, não conseguiria cuidar de Luciana, muito menos de uma criança recém-nascida.
Pensava no que Daiana faria quando soubesse...
—Não acredito nisso —dizia para si mesmo. —Eu não acredito que isso tá acontecendo, não consigo acreditar. Mauro, seu merda, o que você fez?
Deitou-se, tentou descansar, dormiu e acordou sem saber quantas horas se passaram. Revirou-se na cama, tentou fechar os olhos outra vez, os sonhos não lhe permitiram descansar. Bebeu água, tomou um banho, percebeu que não fazia isso há algum tempo. Comeu uma fruta, vomitou mais uma vez, o estômago incapaz de preservar qualquer alimento em seu interior. Deitou outra vez, fechou os olhos, viu demônios e fantasmas, teve que abri-los novamente para evitar os gritos de suas alucinações.
Inquieto como estava, Mauro precisava sair. Sua casa era pequena demais para sua angústia. Ajeitou suas coisas, vestiu a primeira roupa que encontrou, sequer se perfumou. Amarrou os cadarços, tirou os sofás e os armários da porta de entrada e saiu, deixando para trás o confinamento que lhe fazia se sentir protegido.
O ar das ruas parecia agradável, diferente dos outros dias. O céu estava limpo, as nuvens claras, o mundo, mundano. Nada parecia diferente, mas nada estava completamente igual.
Mauro andou, sem rumo, sem destino. Percebeu-se em frente à casa de Felipe. Decidiu chamá-lo.
Era um domingo, e o escritório não funcionava aos domingos. Logo Felipe estava ali, vestindo um pijama maltrapilho, com cabelos desajeitados e olhos fundos. Ele tinha esparadrapos no ombro esquerdo, como se protegesse um ferimento pequeno.
—Olha só quem resolveu aparecer —zombou ele. —Tá vivo ainda, Maurão?
—Posso entrar?
Mauro olhava para os lados às vezes, como se esperasse que a qualquer momento um monstro pudesse saltar da parede e engoli-lo.
—Claro, entra aí.
Ele entrou, com passos rápidos.
—O que aconteceu? —perguntou Mauro, apontando para o ombro de Felipe.
—Ah, isso? Eu me machuquei esses dias. Tenho estado muito distraído, sei lá. Acho que não sei lidar com amigos loucos, não mesmo.
—Tem acontecido muita coisa, Felipe, eu nem sei por onde começar.
—Então nem começa, cara. Deixa eu te perguntar uma coisa antes: tem visto a Luciana? Ela não apareceu no trabalho nesses últimos dias. O Rubens tentou ligar, mas ela não atendeu.
—Não tenho. Na verdade, nem sei se quero vê-la tão cedo, ou se posso vê-la. Eu não sei o que fazer.
—Fica calmo. Vou te ajudar a respirar.
Felipe abriu uma garrafa de vinho tinto, oferecendo uma taça para degustação de Mauro, mas ele acabou com a bebida de uma só vez.
—Não é assim que se toma vinho, você devia —
Mauro se sentou, e Felipe desistiu de ser amigável e risonho.
—Tá legal, conta aí.
—Ela tá grávida.
O vinho no copo e na boca de Felipe conheceu o toque do solo.
—Como é?
—Ela tá grávida, Felipe! A Luciana tá esperando um filho meu!
—Então tem um doidinho pra nascer? Caraca, pensei que você nem tinha executado o serviço direito, mas pelo jeito —
—Não tem graça, cara, presta atenção! —Mauro se exaltou. —Isso não podia acontecer, não mesmo! Como é que eu vou lidar com isso tudo? Como é que eu vou contar isso para...
Mauro parou, engoliu em seco.
—Contar para quem? —perguntou Felipe.
Respirando fundo com uma calma que não possuía, Felipe respondeu.
—Para Daiana.
Silêncio. Os olhos de Felipe demonstravam incerteza, receio ou desprezo, tudo misturado, como uma mistura asquerosa feita num liquidificador.
—Eu sei que não devo explicações a ela, eu sei que ela é a minha ex-mulher, eu sei! Mas cara, ela tá me perseguindo, seja lá qual for o motivo! Ela tem invadido minha casa, tem me observado, isso tá me deixando louco.
Felipe deixou a taça manchada pelo vinho sobre uma mesa no centro da sala e revirou algumas gavetas da cômoda próxima ao televisor.
—Juro que tentei fazê-la ir embora, eu juro mesmo —continuou Mauro, —mas ela insiste em ficar! Eu não aguento mais, não sei o que fazer! E se ela descobrir que Luciana tá grávida, ela... Não sei o que pode acontecer. Não faço ideia.
Sem dizer nada, Felipe se sentou ao lado de Mauro, cabisbaixo. Como um amigo, como um companheiro de horas boas e horas ruins, postou a mão sobre a perna de Mauro, como se conhecesse toda a dor da loucura que o atingia.
—Você não se lembra mesmo, não é? —disse ele. —O trauma deve ser grande demais. Parece que sumiu da sua cabeça, e eu não imagino como isso seja possível.
—Do que você tá falando?
Felipe abriu as mãos e mostrou a Mauro uma foto surrada. Ela tinha um carro em destroços, queimado por um acidente terrível.
—O que é isso? —perguntou Mauro.
—Olhe com atenção. Não acredito que você não se lembre.
Mauro se concentrou, caçou em suas lembranças por algum significado para aquela cena. Em sua mente, alguém dirigia. Uma mulher. Ela estava rápida demais, acelerando para tentar afugentar os seus problemas. O ronco do motor impediam-na de se recordar de seus erros, de suas escolhas, do caos de sua vida. Ela corria demais, pisava no limite da aceleração, via o mundo nas janelas como um borrão. O motor respondia, obedecia como um capacho suicida. Mas o motor não estava bem. Ele estava fraco. Desajeitado, perversamente desalinhado para que o desfecho não fosse outro além do planejado. Ela não sabia disso. Nunca soube. Correu, acelerou, viu o mundo deslizar como uma figura rabiscada na sulfite amarelada.
A memória se confundia. Um estrondo, uma pancada, um final infeliz ou feliz, aos pontos de vista que não se encontravam. Sangue jorrou, o fogo fez a carne cheirar a churrasco sem tempero. Ao fim, restou nada além da morte. Ela correu para a própria morte, sem saber. Mas ele sabia. Ele escolheu assim. Ele a desejava. Ele a queria para si, e ela não o aceitou. Um dia, fora dele, mas não mais. Ele não sabia perdoar. Não sabia enxergar aquilo como uma alternativa. Podia vê-la triste, mas não distante. Podia vê-la chorar, morrer, mas ainda assim ali, ao seu lado.
—Eu... me lembro agora.
Lágrimas correram pelos olhos de Mauro.
—Você me contou, um dia —disse Felipe, desanimado. —Eu não queria ter que conversar com você sobre isso, mas... você não tá bem. Não é o mesmo cara que eu conheci um dia. Sua memória tem falhado, você tá enlouquecendo.
—Fui eu —Mauro balbuciou. —Fui eu o responsável.
—Nós erramos, Mauro. Todos nós erramos um dia.
—Eu a matei! —Mauro explodiu, derrubando sua taça vazia e virando a mesa de Felipe contra o chão. —Eu... eu matei Daiana.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Resenha - O Oceano no Fim do Caminho, de Neil Gaiman


Será que todos nos lembramos verdadeiramente das memórias da infância?
Em 202 páginas de seu mais novo romance adulto, Neil Gaiman nos coloca para pensar nesses detalhes. E se a nossa vida fora diferente, de alguma forma, na infância, mas a fase adulta tenha nos distanciado tanto de tais pensamentos que, hoje, sequer nos recordamos de nossa própria história? É essa a premissa de 'O Oceano no Fim do Caminho', que nos mostra, pela visão de um singelo garoto de sete anos, a fantasia de uma vida comum, que nem por isso deixa de ser fantástica.
Acompanhamos, de início, o mesmo garoto, quarenta anos mais tarde, retornando ao local de sua infância. Sentado diante do lago que acostumara-se a chamar de Oceano, ele só então se lembra de tudo o que esqueceu, e é essa a verdadeira história do romance. Vivendo junto a uma típica família inglesa, cujas dificuldades financeiras se mostram aparentes, o garoto se vê embrenhado numa fábula incrível que, narrada pela perspectiva de uma criança de sua faixa etária, transforma toda a fantasia de uma forma maravilhosa. É possível se ver ali, na mente daquele garotinho, relembrando de cada passo da infância, de cada pensamento, tão similar aos dele, de cada aprendizado errôneo, por meio de tentativa e erro. E quem poderá dizer que não presenciou a mesma fantasia que ele, naqueles tempos?
Temos, como coadjuvantes tão protagonistas que por vezes esquecemos de que são simples auxiliares na história, as três mulheres Hempstock. Misteriosas e fascinantes, elas estão sempre ali, próximas ao Oceano de Lettie, a mais jovem dentre as três e amiga do garoto, quatro anos mais velha e super protetora, e são elas o ponto forte da narrativa. Não há um grande suspense sobre a realidade dentre elas, pois é certo que, desde o início, o sobrenatural e o fantástico as acompanham. Mas isso é somente a ponta do iceberg. As atitudes, os comentários, a vida das Hempstock, tudo isso é incrível, e elas se mesclam à história do menino de sete anos de tal forma que ele próprio não se vê sem elas.
E, numa história de criança, não poderiam faltar seus medos e, cá entre nós, o medo das crianças é sempre o pior. Desde o medo da perda, da saudade, do desconhecido e do irreal, até o medo do escuro, ou o temor de se lembrar que a noite anterior foi real. Há, também, a inocência de quem vê algo ocorrer, mas não enxerga a maldade por trás de tal ato, a ingenuidade de quem assiste o erro imaginando o que aquilo significa para a humanidade, para os adultos. Entre os medos infantis e a inocência dos pequenos, vemos o Oceano no Fim do Caminho, que na verdade sequer passa, aparentemente, de um mero lago, ganhar proporções inimagináveis.
E a fantasia urbana e obscura de Gaiman está sempre em alta. Não é pra menos que ele se tornou meu autor favorito: as descrições, simples, rápidas e eficientes, sem enrolações, são fascinantes. Em menos de trinta páginas do livro, na cena do aniversário, o arrepio que me assolou por sua narrativa foi indescritível. Há, por trás daquelas simples palavras, uma mágica que não se pode explicar. É como se ambientar num local imaginário, vivenciar uma história que não é a sua, tudo isso num piscar de olhos e, ao retornar à sua própria história, quando o livro se mostra aberto diante de seus olhos, você lê, se familiariza àquilo que acabou de viver em seus pensamentos e, assim, sente-se dentro daquela mentira verdadeira, coexistindo de uma maneira tão surreal que, de certo modo, aquela torna-se a sua história, também.
E, se tenho de apontar um defeito em tal história, é seu tamanho. Curta, ágil, veloz, o que não deixa de ser um grande obstáculo para quem esperava desde 2005 para um trabalho do tipo do autor. Não é um Deuses Americanos, certamente, nem mesmo um Os Filhos de Anansi, mas tem seu vigor, seu charme e sua paixão fervorosa.
Terminei o livro com uma salva de palmas a Gaiman, por mais uma vez ter me ensinado o básico de ser escritor, provando-me que nada é melhor do que escrever com a alma, e terminei-o com um gosto de quero mais, seja desse cenário, seja de qualquer mundo que nasça debaixo daqueles cabelos desajeitados, como se loucos, de Neil.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Nas Cordas do Desespero - Capítulo 12 [Web Novela]

12

ACORDOU E, MAIS UMA VEZ, ESTAVA SOZINHO. A porta ainda estava bloqueada pelos sofás e pelos armários. Daiana não estava mais ali, ao seu lado. Ele se perguntou como ela entrou, como saiu e como tudo parecia estranhamente no mesmo lugar.
Estava cansado demais para pensar ou imaginar coisas.
Olhou o celular, por acaso. Rubens tinha desistido de ligar, e isso era bom. Uma pessoa a menos para lhe incomodar. Havia, no entanto, onze ligações perdidas, sendo dez delas de Luciana. A última era de Felipe, mais uma vez. Uma única ligação, sem importunar. Ele era bom nisso. Oferecer ajuda e saber esperar o interesse do outro lado. Diferente de Luciana, obviamente.
Mauro estava exausto. Não tinha forças para se levantar da cama. Sentia fome e sede, mas não tinha vontade de comer ou de beber nada. Queria ficar ali, vegetar até morrer, até aquele sofrimento acabar de vez.
Decidiu olhar suas mensagens. Rubens tinha ofendido todas as suas gerações, mas isso não era de surpreender. Luciana, nos dias anteriores, disse que queria ajudá-lo, que gostaria de estar mais presente. Quem ela achava que era, sua esposa?
Daiana?
Havia uma única mensagem de Felipe, e ela dizia, franca e rispidamente, se decidir ficar sozinho, vá à merda, mas se precisar, me liga, seu canalha. Mauro sentiu vontade de sorrir, mas seu corpo não se lembrou como tinha de fazer, então ele apenas releu e assentiu.
As outras mensagens de Luciana estavam diferentes, especialmente as últimas. Preciso falar com você, na tarde anterior. É sério, preciso falar com você, durante a noite. Mauro, é urgente, durante a madrugada. Preciso de você. Você tem que me escutar. Me liga. Me ouve. Você é um idiota. Eu também sou. Precisamos conversar. Você tem que me ouvir! Não acredito que vai me ignorar? Até quando vai se esconder? Até quando vai evitar o mundo? Eu tô... Eu preciso de você. Preciso falar contigo.
Durou a madrugada toda, e só agora ele via todos aqueles textos enviados por Luciana. Ela tinha algo para dizer, mas ele não estava bem para escutar. Não ligou de volta, nem para ela, nem para Felipe. Não respondeu mensagem alguma.
O celular vibrou outra vez, uma mensagem.
Felipe.
Cara, você ainda tem visto a sua ex-mulher?
Simples e direto, como tinha de ser. Mauro estranhou a pergunta, mas sentiu-se curioso.
Por que a pergunta?, escreveu em resposta. Enviou a mensagem e viu seu crédito acabar.
Porque sim. Eu queria saber. Você ainda tem visto a Daiana?
Mauro não tinha créditos para responder, portanto jogou o celular no chão e se esparramou na cama de casal.
Quatro mortes. Ele não conseguia deixar de pensar nisso. Não conseguia deixar de pensar no dia em que se viu agir sem que se lembrasse. E se fosse ele o assassino? E se fosse ele o responsável pela morte daquelas garotas? E se fosse ele o homem que assassinou friamente Elizabeth, sua própria filha, e também Júlia e as outras duas meninas?
A corda que tentara usar para o suicídio estava ali, jogada ao lado da cadeira, ainda caída ao chão. Ela parecia convidativa demais, mas ele não tinha forças nem mesmo para suicidar.
—Onde isso tudo vai parar? —ele se perguntou, olhando para o teto de seu quarto. Percorreu o cômodo com os olhos, desanimado. Nessa empreitada, encontrou algo que lhe fez estremecer de pavor.
Uma faca.
A mesma faca que vira na bolsa de Luciana, uma vez antes. A mesma faca que estava em suas mãos na noite de seu sonambulismo. A mesma faca que tivera sangue na lâmina, tempos atrás.
Quanto tempo se passou desde aquela noite?
Quanto tempo se passou desde a morte de Elizabeth? Quanto tempo se passou desde a noite em que ele e Luciana se envolveram? Quanto tempo se passou desde o beijo que dera em Daiana?
Dias? Semanas? Meses?
Por que ele não se lembrava?
Mauro se levantou. Sua cabeça doía, mas ele precisava se embebedar. O caos tomava conta de sua mente, e nada além do álcool pode combater o caos. Encontrou uma garrafa de conhaque num de seus armários, tomou-a sozinho. Achou algumas latas de cerveja e meia dose de vodca escondida na geladeira, acabou com tudo. Queria mais, mas não tinha nada mais para beber. Olhou para a porta de sua casa, pensando em sair para comprar algo; não tinha coragem. Os sofás e os armários o lembravam de que ele não devia sair dali, de sua casa. Procurou na dispensa por algo para beber, não encontrou. Procurou em seu quarto, achou um vidro de um perfume que ele nunca usara. Um presente de Daiana, de anos atrás.
Bebeu, e logo em seguida vomitou na própria cama.
Não fez questão de limpar. Deu mais um gole, vomitou outra vez. Seu estômago e sua garganta queimavam. Ele se deitou, ao lado da sujeira que acabara de fazer, e fechou os olhos. Abriu-os, tudo girava. Olhou para o teto, para as luzes, para o ventilador. O mundo girava. Olhou para a faca que residia em seu quarto, e mesmo ela parecia girar, inerte.
—Eu não sei o que fiz —falou, como se alguém o escutasse. —Não sei o que tá acontecendo. O mundo tá louco demais para mim. Eu não aguento mais...
Viu-se falando sozinho. Não estava bem. Não estava mais ali ou em qualquer outro lugar. Não estava mais.
Pegou o celular, ligou para Luciana.
—Mauro, seu tremendo filho da mãe! —ela gritou, alterada, chorosa e preocupada. —Por que não me ligou antes?!
Mauro respirou fundo. Não tinha forças para nada daquilo.
—Eu estou bêbado —disse ele, diferente do que tinha planejado para aquela ligação.
—Fácil de perceber. Preciso falar com você. É urgente.
—Então venha até a minha casa.
—Eu... não tô muito legal. Não acho que deva sair daqui. Passei mal nessa manhã, ainda estou meio fraca.
—O que você tem?
—Não sei. Ânsia, dores de cabeça, dores no corpo.
—Está doente?
—Seria melhor se fosse isso.
—Então o que aconteceu?
Luciana respirou bem fundo antes de responder.
—Eu estou grávida, Mauro. De você.